sábado, 8 de outubro de 2011

Leia o primeiro capítulo

Era um daqueles dias escuros, frios e chuvosos. Era o inverno Londrino… fazia algum tempo que o Departamento de Polícia não tinha um dia tão preguiçoso. O frio forçava as pessoas a ficarem em casa e desistirem de planejar crimes. As vidraças empoeiradas pareciam cristalizadas por causa da fina camada de gelo que se formara à noite, quando a temperatura chegou a dois graus negativos. O telefone tocava insistentemente na mesa da Detetive Brown, e o barulho irritava Richard Malone, seu parceiro, que decidiu atender a chamada. Ele arrastou sua cadeira até a mesa de Brown, como se a força para levantar-se tivesse desaparecido.



— Malone. – A voz disse, sem qualquer animação.
— Eu preciso falar com Abby Brown.
Richard coçou a cabeça com a ponta dos dedos. Aquela pessoa definitivamente não conhecia Abbey, ou saberia as consequências de errar seu nome. Ela era uma pessoa irritante, com diversas manias, e odiava que errassem seu nome. Abbey era uma mulher temperamental e constantemente mal humorada. E seu nome era Abbey, teoricamente nada diferente de Abby ou Abbe, mas ela costumava perder a cabeça se alguém soletrasse seu nome equivocadamente.
— Ela não está no momento.
— E com quem estou falando?
— Detetive Richard Malone.
— Detetive Malone, sou o Comissário Berkeley da Interpol. Por favor, encontre a Detetive Brown porque se trata de uma emergência.
Richard coçou a cabeça novamente. Ele não sabia quem era aquele Comissário; ele sequer havia um dia falado com algum Comissário. Passou a vida em pequenos departamentos, fazendo trabalhos de pouca expressão e com um péssimo salário. Quando decidiu tornar-se Detetive, queria uma vida cheia de aventuras e perigo, como via nos filmes. Mas não conseguiu; sua maior conquista foi uma mesa empoeirada e uma cadeira velha de couro.
Da forma que Berkeley falou, Richard compreendeu que o assunto deveria ser sério. Entediado e já sabendo que seria repreendido, caminhou lentamente pelos corredores tentando encontrar Abbey. Richard tinha plena certeza que a encontraria na cafeteria, mas mesmo assim procurou em todas as salas.
— Finalmente, Abbey!! – Ele arfou, depois de subir vários lances de escada. – Tem uma chamada na sua mesa, para você.
— Atenda. – Abbey moveu os ombros. Ela estava sentada no balcão, com algumas rosquinhas e café em sua frente. Não havia outro lugar para encontrar Abbey Brown, ela estava sempre comendo. Mesmo sendo uma mulher pequena e franzina, ela comia como se fossem três. Ninguém entendia como tantas rosquinhas cabiam naquele corpo minúsculo.
— Eu já atendi, mas a pessoa insiste em falar com você. É um Comissário... Berkeley.
Abbey espremeu os olhos. Ela conhecia aquele nome, mas nem fazia ideia de onde. Diferente de Richard, ela não passou a vida atrás de uma mesa. Abbey pertenceu a um grupo secreto da Interpol, e seu esquadrão era considerado o melhor. Mais do que o melhor, o esquadrão de Abbey era único. Teve seus momentos de glória somente uns poucos meses antes de afundar-se nos papéis dentro do departamento de polícia mais monótono e desanimado da face da Terra. Resolveu deixar a comida e atender, poderia ser alguma coisa importante. Arrastou sua carcaça preguiçosa pelo prédio todo até chegar em sua mesa, e visualizar o fone fora do gancho.
— Det. Brown falando. – Abbey disse, ainda limpando o açúcar dos cantos da boca.
— Bom dia, Detetive Abby... sou o comissário Berkeley, e preciso lhe falar. Podemos nos encontrar hoje?
Abbey respirou fundo. A vontade de desligar o telefone imediatamente foi grande, mas ela manteve-se na linha.
— Eu não costumo me encontrar com quem não conheço. – A pequena mulher apertou os lábios.
— É uma situação importante e secreta. Assuntos da Interpol.
— Eu não trabalho mais para a Interpol.
— Detetive Brown, nós precisamos do seu conhecimento. Por favor, diga o lugar. Nós precisamos nos falar pessoalmente.
Abbey irritou-se novamente. Ela também detestava quando as pessoas pareciam não entender o que ela dizia, e aquele Comissário insistia em irritá-la. Mas apesar de tudo, ela adorava quando não respeitavam suas manias.
— Se você precisa de mim, fale com meu Capitão.
— Já falamos com Capitão Button.
— Ok, então. – Abbey resolveu ceder. – Podem me encontrar no Garth Café, em frente ao departamento de polícia, em duas horas.
Abbey desligou o telefone sem esperar uma confirmação do outro lado da linha. Terminou de limpar o açúcar dos lábios, mas percebeu que todos na sala a observavam. Não deveria ser por causa das rosquinhas enfiadas meticulosamente entre os dedos da mão esquerda, porque ela sempre comia rosquinhas e era sempre daquela mesma maneira. E sempre se sujava.
— Droga, Malone! Quando vai aprender a desligar o viva-voz?
Todos riram. Ela fez uma careta e continuou o ritual de limpeza, lambendo os dedos e depois batendo a farinha da calça preta. Richard balançou a cabeça negativamente; toda vez que ele olhava para Abbey, tinha certeza que ela tinha um péssimo gosto para se vestir. A mulher estava usando calças pretas com camisa amarela. E gravata. Ele olhou para sua própria camisa e não viu gravata. Abbey deveria ser a única mulher capaz de usar uma gravata e esconder seus olhos lindos atrás de um cabelo despenteado.


Duas horas depois, no Garth Café, Abbey pedia um cappuccino com rosquinhas. Ela estava curiosa para saber o que aquele tal Comissário queria consigo, mas já sabia que diria ‘não, obrigada’. Ela não estava interessada nos assuntos da Interpol, nem se eles pagassem muito bem. Não haveria dinheiro no mundo que a fizesse reviver o passado; o pior passado que uma pessoa poderia pensar em guardar. Abbey não havia deixado a Interpol, não havia desistido do seu esquadrão para confinar-se em Londres. Ela estava fugindo, e ela sabia exatamente do que. Retomar aquela realidade não era o que ela queria.
— Detetive Brown?
— Sim, esse é meu nome. – Ela disse, olhando apenas para o cardápio.
— É um prazer conhecê-la... sou o Comissário Berkeley, e ele é o Sargento Watson.
Abbey olhou rapidamente para os dois homens. Um era alto, vestindo um casaco xadrez escuro de lã. O outro era baixo e não parecia ter um gosto muito melhor que o seu para se vestir. Em verdade, Abbey jurou que aquele homem tinha saído diretamente de um livro de contos, pois ele parecia um personagem conhecido seu.
— Ok, sentem-se. – Abbey desconcentrou-se do cardápio. – O que querem comigo, afinal? Não costumo perder meu tempo com conversas inúteis, então quanto mais breves pudermos ser, melhor.
— Ficamos sabendo, por fontes seguras, que você é a melhor negociadora da Inglaterra. – O mais jovem disse.
— Depende. Eu não negocio carros nem imóveis. – Abbey pediu algo para comer.
— Absolutamente. – O Comissário passou os dedos por seu bigode milimetricamente arrumado. – Refiro-me à negociação de reféns.
Então, permita-me corrigi-lo. Sou a melhor negociadora da Europa. – Ela olhou para o Comissário. – E eu era.
— Como?
— Há vários meses que não trabalho mais com reféns. Um ano, para ser mais exata.
— Mas é verdade que você nunca perdeu um refém, certo?
— Depende. O que você considera como perder? – Abbey empertigou-se na cadeira. Sim, eles pretendiam que ela revivesse o passado.
— Morrer.
— Então, sua resposta é sim. Nunca perdi um refém.
— E nós precisamos que você nos ajude em uma negociação.
Abbey remexeu-se na cadeira mais uma vez. Agarrou as rosquinhas que acabavam de chegar e respirou fundo. Aquele comissário realmente não entendia o que ela falava.
— Como eu disse, não trabalho com esses casos. – Abbey disse, claramente, enquanto comia. Ela estava muito calma, porque normalmente seu humor era bem mais instável.
— Detetive Brown, esse caso é muito especial. Existe um interesse político internacional na solução desse conflito.
— Então peça a seu presidente que contrate alguém.
— Meu presidente entrou em contato com Sua Majestade, e ela sugeriu que fosse você a contratada, Detetive Brown.
Abbey remexeu-se mais uma vez. Era muita coisa, ser contratada por indicação da Rainha para fazer qualquer coisa. Mas ela sabia que havia mais do que isso escondido por trás daquela história. A Rainha não estava contratando ninguém, e só indicaria a contratação de alguém se fosse perguntada. Aquilo era apenas um pequeno engodo para fazê-la sucumbir à tentação de correr atrás de reféns mais uma vez.
— E quem está envolvido?
— Não estamos autorizados a revelar detalhes.
— Então vocês querem minha ajuda, mas eu não posso saber quem vou ajudar?
— Precisamos ter certeza da sua discrição.
— Comissário, eu não sou discreta, e acho que dá para notar. Eu não sou discreta, não sou gentil, não rio de piadas. Mas eu não revelo assuntos de negócios a ninguém. Uma palavra mal entendida pode significar a morte do refém.
Os dois homens se entreolharam e assentiram.
— Eles são pessoas famosas, são artistas.
— Eles? De quantos reféns estamos falando?
— Doze.
— Mas isso não é muito comum, não acham?
— Não. Por isso precisamos da sua ajuda.
— Não estou interessada nesse trabalho.
Abbey levantou, limpando a boca e virando para ir embora. Ela saiu da Interpol exatamente porque estava farta desse assunto relacionado a reféns... ainda mais reféns famosos. Deveriam ser pessoas ricas e mimadas, e de mau humor já bastava o dela. Ela nem quis compreender o caso, apenas declinou do interesse.
— As famílias pagam bem. – Watson apelou.
— As famílias pagam? Quanto? – Abbey decidiu conversar mais. Voltou para a mesa e sentou-se, encarando o jovem Sargento. Dinheiro não era algo que ela comumente dispensava, mas ainda assim ela estava tentada a não aceitar. Pelo menos ouviria a proposta.
— Dez por cento do resgate.
— Resgate?
— Sim, houve um pedido.
— Ah, ótimo! Então eles não são simplesmente reféns, Sargento! Se existe pedido de resgate é porque é sequestro, existe um componente diferente nessa situação! E eu não trabalho com sequestros. Trabalhei com resgate e negociação de reféns.
— Eles são reféns. Temos fortes indícios para acreditar que eles foram capturados por guerrilheiros, cujo objetivo é conseguir dinheiro para comprar armas.
— E de quanto foi o pedido? – Abbey insistiu.
— Cem milhões de dólares, em nossa moeda.
— E eu pego dez por cento? – Abbey desabou na cadeira novamente. - E... por que em “nossa” moeda? Eles desejam o pagamento em que moeda?
— Sim, dez por cento é o que as famílias estão oferecendo. E preferimos falar sobre isso em um lugar mais privado.
— Então vamos conversar em outro lugar. Hoje a noite, vocês me pegam no departamento de polícia às sete horas e me mostram a situação. Eu também quero conhecer as famílias, saber como está acontecendo o contato até agora.
Sem nenhuma questão de mostrar-se simpática, Abbey deixou 10 Euros sobre a mesa e saiu, deixando os policiais para trás. O dinheiro envolvido era muito significativo para ela recusar a oferta, mesmo aquilo sendo exatamente tudo que ela havia jurado nunca mais fazer. Havia muito tempo que ela não sabia o que aquele dinheiro todo significava. E, mesmo quebrando um juramento feito em um leito de morte, Abbey não estava preocupada. Ela nunca achou que iria para o céu, mesmo.

3 comentários:

  1. Ler "Sequestrados" fez eu me apaixonar pela sua escrita, sabia? Deixa uma sensação boa e aquele gosto de ler mais!
    Bjos!

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  2. Obrigada Thirza! :) Você sabe que adorei escrever essa história... fico feliz que você tenha curtido tanto :)

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  3. Um começo promissor. Fiquei curiosa para ler o restante da história. Parabéns conterrânea.
    Abraços
    @ElysannaLouzada

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